Jorge Mario Bergoglio foi uma figura que transcendeu a religião, unindo espiritualidade e paixão pelo desporto. Habitual e mundialmente conhecido como Papa, misturou a paixão de um homem, de um Papa Francisco e a sua ligação com o desporto, nomeadamente o futebol. Papa Francisco, que morre aos 88 anos, deixará para sempre uma profunda marca no mundo do futebol e do desporto.
Nascido na Argentina, em Buenos Aires, a 17 de dezembro de 1936, Bergoglio cresceu num ambiente onde o futebol era muito mais do que um desporto — era uma forma de vida. A sua infância foi marcada por tardes bem passadas no estádio do Club Atlético San Lorenzo de Almagro, o clube do seu coração, uma herança vinda do pai, que o levava religiosamente aos domingos, depois da missa matinal.

A ligação de Bergoglio ao San Lorenzo remonta aos seus primeiros anos de vida. Aos 10 anos, em 1946, testemunhou a conquista do campeonato nacional pelo clube, um momento que descreveu sempre como sendo inesquecível. “Aquele golo de Pontini quase merecia um prémio Nobel”, recordou, numa entrevista, referindo-se a uma das jogadas mais marcantes daquela época. O futebol, para ele, era sinónimo de união, alegria e valores que iam muito para além do jogo em si.
A vida de Bergoglio, tanto a do homem, do Papa Francisco e a sua ligação com o desporto, não passava apenas por ser um adepto fervoroso, já que também teve o privilégio de experimentar o jogo jogado. Nas ruas de Buenos Aires, jogava futebol com os amigos, mas, como ele próprio admitiu, não era dos mais talentosos. “Era o que na Argentina se chama de ‘perna de pau’”, confessou, rindo-se de forma sincera, porém humilde, como quem estava perfeitamente capaz de reconhecer a sua própria falta de jeito.

Por isso, acabava quase sempre na posição menos favorável, na baliza, uma posição que, segundo ele, acabaria mesmo por ser uma “grande escola de vida”. “Ser guarda-redes ensina-nos a estar preparados para os perigos que podem surgir de todos os lados”, refletiu, numa metáfora poderosa, mas acertadíssima e que poderia fácil e perfeitamente aplicar-se à sua vida como líder espiritual.
Curiosamente, o San Lorenzo tem uma ligação profunda com a própria Igreja Católica. Fundado em 1908, o clube nasceu no pátio de uma igreja, sob a supervisão do padre Lorenzo Massa, que permitiu que um grupo de jovens jogasse futebol, com a condição de que assistissem à missa dominical. Foi precisamente esse grupo que fundou o clube, batizado em homenagem ao sacerdote. Atualmente, o San Lorenzo é conhecido como “Os Santos” ou “Os Corvos”, numa referência clara e perceptível à batina preta do padre Massa.
Bergoglio manteve-se sempre muito próximo do clube, mesmo após seguir a vocação religiosa. Em 2008, celebrou uma missa no estádio do San Lorenzo, assinalando o centenário do clube e, em 2012, já como cardeal, Papa Francisco e a sua ligação com o desporto demonstrou ser, mais uma vez, muito forte, apoiando publicamente o movimento para recuperar os terrenos do antigo estádio, dos quais o clube havia sido expulso durante o difícil e conturbado período de ditadura militar.

Quando Bergoglio foi eleito Papa, em 2013, os adeptos do San Lorenzo celebraram o feito como se de uma vitória do clube se tratasse. “Agora, o padre principal da Igreja é um ‘corvo’”, diria um adepto, referindo-se diretamente ao símbolo do clube. A alegria viria ainda a ser maior quando, em 2014, o San Lorenzo conquistou a Copa Libertadores, o troféu mais importante do futebol sul-americano. Uma delegação do clube deslocou-se ao Vaticano, para oferecer o troféu ao Papa, que prontamente prometeu guardá-lo no Museu do Vaticano, local ainda hoje se encontra, o que revelava que a relação entre o Papa Francisco e a sua ligação com o desporto, maninha-se viva e intensa.
Mas a paixão de Francisco pelo futebol não se limitava “apenas” ao San Lorenzo. Como Sumo Pontífice, recebeu inúmeros clubes e seleções no Vaticano, sempre com um enorme carinho e um sorriso na face, desde o Barcelona ao Bayern de Munique, acumulando uma impressionante coleção de camisolas, inclusivamente de clubes portugueses e do melhor jogador de todos os tempos, Cristiano Ronaldo, quando Dolores Aveiro, numa das Audiências Semanais no Vaticano, o conheceu e onde teve a oportunidade de presentar o sumo pontífice com uma camisola do seu filho.
Em 2013, o Barcelona chegou mesmo a convidar o Papa para assistir a um jogo no Camp Nou, um convite que, apesar de não se ter concretizado, deixou de forma bem evidente e vincada todo o respeito que o próprio mundo do futebol tinha para com ele, algo que é de enaltecer. O Papa Francisco e a sua ligação com o desporto ia tão longe, que até “milagres” conseguia fazer, como o que “salvou” Paulinho Santos, jogador do Sporting, que após ser castigado com dois jogos depois da expulsão de um jogo da Taça da Liga Portuguesa, foi amnistiado por ocasião da realização das Jornadas Mundiais da Juventude, em Portugal.
Das muitas questões que deverão ter ficado sem resposta na vida do Papa Francisco, houve uma, em particular, que ele não se coibiu de responder. Durante uma entrevista, foi-lhe perguntado sobre quem ele escolheria de entre Leonel Messi, Maradona, ambos seus compatriotas. A sinceridade e transparência, valores sempre bem incutidos na personalidade de Bergoglio, fizeram com que acrescentasse um nome à já difícil lista, Pelé, que seria quem, na sua opinião, escolheria, não deixando de fundamentar a sua resposta.









Para o Papa Francisco, o futebol é (ou pode ser) muito mais do que um simples entretenimento. Na sua visão, era uma ferramenta perfeita de união, inclusão e paz. Foram várias as ocasiões em que incentivou jogadores e dirigentes a utilizarem o desporto para promover valores essenciais na vida, como respeito, solidariedade e justiça. Infelizmente, e em muitos casos, sem o total sucesso que pretendia e desejava, mas sempre com a mesma esperança apoiada na sua crença. Num encontro com jogadores de várias nacionalidades, o Papa Francisco e a sua ligação com o desporto, deixava ainda mais frisado que “o futebol deve ser um veículo de fraternidade e paz no mundo”.
Uma das suas iniciativas mais simbólicas e marcantes, foi a promoção do “Jogo pela Paz”, um evento solidário que reuniu lendas do futebol internacional, como Diego Maradona e Ronaldinho Gaúcho. O objetivo era simples e claro, angariar fundos para projetos sociais e reforçar a mensagem de harmonia através do desporto. Mas não só. Durante o seu pontificado, Francisco recebeu vários jogadores e treinadores no Vaticano, personalidades como Lionel Messi, Cristiano Ronaldo, Gianluigi Buffon e Pelé, tiveram a oportunidade de conversar com o Papa, não só sobre futebol, mas, e mais importante que isso, sobre valores humanos.


Um dos momentos mais marcantes do Papa Francisco e a sua ligação com o desporto, ocorreu em 2017, quando Diego Maradona, outro ícone e símbolo argentino, se encontrou com o Pontífice para discutir iniciativas sociais ligadas ao desporto. Maradona, que inicialmente nunca escondeu a relação conturbada que tinha com a Igreja, declarou que a humildade e a forma de estar de Francisco o fez repensar a sua visão e, com isso, aproximar-se da religião.
Porém, Francisco não foi o primeiro Papa a demonstrar interesse por desporto, em particular pelo futebol. O Papa Pio XII, por exemplo, era conhecido por ser adepto da Lazio, clube de Roma. Já João Paulo II, um desportista nato, praticava esqui e natação, além de que também era um apreciador nato de futebol. No entanto, foi o Papa Francisco e a sua ligação com o desporto, quem eventualmente mais se destacou, pela forma como integrou o desporto na sua mensagem de união e paz. Para ele, o futebol era um “instrumento para a paz”, capaz de unir pessoas muito para além das fronteiras culturais ou religiosas.
A paixão de Bergoglio pelo futebol estendeu-se também à seleção Argentina. Em 2014, acompanhou a equipa até à final do Mundial no Brasil, onde a Argentina acabaria por perder para a Alemanha. Em 2022, testemunhou a conquista do título, no Qatar, embora não tenha visto a final devido a uma promessa feita em 1990, quando decidiu deixar de ver televisão. Ainda assim, celebrou a vitória com uma humildade digna de registo, tal como pediu aos jogadores, tendo aparecido posterior e publicamente com uma camisola da Argentina nas mãos.

Para o Papa Francisco, a relação entre fé e futebol ia muito para lá da simples paixão clubística. Ele reforçou frequentemente a importância do jogo limpo e da honestidade dentro e fora das quatro linhas, de um desporto com valores e para pessoas com iguais valores. O Pontífice sempre alertou para os perigos da corrupção no desporto e incentivou os atletas a serem modelos de integridade para os mais jovens.
Jorge Bergoglio, o Papa Francisco, deixou-nos hoje, dia 21 de Abril de 2025, depois de uma luta inglória de vários meses, com a “despedida” certa ontem, quando em dia de Páscoa se apresentou perante milhares de fieis. Papa Francisco nunca deixará de ser um claro exemplo de como o futebol pode ser uma ponte entre diferentes mundos. A sua paixão pelo San Lorenzo e pela seleção argentina demonstram a sua humanidade, a sua capacidade de se conectar com as pessoas, além do seu enorme papel religioso.
Para o Para Francisco e a sua ligação com o desporto, o futebol não é, nunca foi nem nunca será apenas um jogo; é uma lição de vida, um instrumento de união e uma expressão de valores que transcendem o relvado.

No final do dia, seja como guarda-redes, adepto ou Papa, ele foi sempre, e continuará a ser, apenas numa dimensão diferente dos que cá ficam, um verdadeiro “corvo” de coração, além de um guia espiritual incansável e sempre presente no coração de cada um de nós.